07 de janeiro - Ano 201 d.v.C.
Palazzo de Augustus Medicci - Lorde Tremere de 7º Círculo
_ Sr. Abel já esteve por aqui esta noite.
Lawrence Gray procura disfarçar o espanto na voz, mas, realmente, fora pego de surpresa:
_ Abel? Aqui? A troco de quê?
_ Está preocupado com os boatos sobre Viena. E ele parece ter recebido uma mensagem, de um realejo... – Medicci deixa as palavras perderem-se no ar com seus pensamentos. A palavra ‘realejo’ faz com que Lawrence tenha um lapso de memória, recordando o momento perturbado em que um realejo também lhe dera uma mensagem estranha nas escadarias da mansão real. Naquele momento, logo distraiu-se e não voltara a pensar no assunto. A mensagem que recebera, e que encontrava-se junto a seu peito, no bolso da casaca, soava como um presságio.
_ Mensagem de realejo? E o que dizia?
_ Não sei se quero lhe dizer. – responde-lhe o Mestre, sério e indiferente, com os olhos perdidos em divagações distantes.
_ Como assim? Exijo que me dê a informação! – Lawrence responde com o costumeiro ímpeto imperativo. Mas o Mestre lhe devolve um sorriso discreto e brincalhão, acompanhado de um olhar de desdém.
_ “Exige”? Ah, Lawrence... Você faz um trato de menino...
_ Ora, sou eu o teu pupilo! Eu a tua prole! Por que insiste em defender Abel? Irrita-me essa tua simpatia cega por ele! E por que não pode dizer-me sobre a mensagem?! Tolice absurda! Acaso teria algum outro tipo de interesse em Abel?
O tom irritado do jovem ancilla e as possíveis interpretações da última idéia expressa põem Medicci de pé. O Mestre de Lawrence era uma criatura alta e loura, cujo cabelo amarelo era quase branco. Tinha olhos azuis, inflexíveis, e um rosto delicado, com uma fina penugem dourada quase imperceptível do que, um dia, havia sido sua barba mortal. Usava uma capa de um vermelho vivo, com capuz, que estava jogado para trás, e o cabelo era comprido e muito bem penteado. O olhar que dirige ao rebento é frio, mas majestoso.
_ Não banque o principezinho comigo, menino. Eu te criei; eu te destruo se me desafiar.
_ Bah... Pois fique com Abel. Fique com todos eles! Esses vermes que lhe beijam as mãos...
_ Pensei que vocês dois fossem... amigos. Você o conhece há muito tempo, não é mesmo? Chegarão a lutar lado a lado séculos atrás. Estou enganado?
Lawrence permanece calado no canto em que está. A mão trêmula denuncia sua irritação. Os olhos voltados para a grama lá fora mal nota as primeiras gotas de chuva.
_ Por que Abel? Por que justamente ele? O senhor mesmo mandou chamá-lo pessoalmente quando retornou de Viena. Por que todo esse interesse em Abel?
_ Simples. Ele é um magus de muita graduação. É discreto e sábio, e sabe como se controlar. Sua calma é uma virtude que deveria aprender a cultivar, meu menino. Além disso, Abel é fiel ao Clã. Não corro riscos confiando nele. Embora passe boa parte de seu tempo fora da Capela, cuidando sabe-se lá de que interesses, sei que não se voltaria contra a Ordem de Tremere. Essa é uma vantagem que os jovens não me dão: os antigos são sempre mais dispostos a lutar com sabedoria. E Abel, ao que sei, é quase tão antigo quanto você. Estou certo, não?
_ Mestre... O senhor sempre os preferiu, sempre os defendeu. Tua atenção sempre foi prioritária aos Aprendizes. A Capela, a Máscara, o Príncipe. Por que protege a eles, Mestre? Serei sempre o segundo em tuas intenções?
O olhar irritado e magoado do filho traz de volta a conhecida altivez de Augustus Medicci, porém, as artimanhas sentimentais já lhe são conhecidas, e ele não ameniza o tom autoritário das palavras:
_ Porque eles são fracos, Lawrence. Porque eles são fracos, mas você é forte. Forte e rebelde. Nunca precisou realmente da minha proteção, menino dos louros.
_ Mas, Mestre! Sei que és capaz de subjugar Melcchio a qualquer momento, sei que tua força e influência são suficientes para lhe dar controle e poder! Então, por quê? Por que continua a se submeter a tudo isso? Enfrentar as correntes do Clã, as ordens da Camarilla... e essa blasfêmia de Máscara?! Por que temos de viver por trás dos mortais mesmo sendo obviamente mais fortes do que eles? Alguém como o senhor poderia ser rei se o desejasse!
_ Sábias palavras, jovem. E encontre nelas a sua resposta: eu não o desejo.
Apesar do poder que acumulara ao longo dos séculos, Medicci era mais uma criatura de livros que um homem de espada. Parado, frente aos altos vitrais em ogiva, repara na chuva que agracia o jardim e as flores que se abriam à noite, abraçando o céu com nuvens negras e ventos brandos. A calma de seu rosto e o silêncio religioso do ambiente põe o espírito de Lawrence de volta à revolta contida por suas lembranças. Irritado com toda aquela calmaria, levanta-se de onde está em um pulo, tomando a capa e a cartola anteriormente deixadas no cabideiro.
_ Pois o senhor é um tolo, Mestre. Um tolo com mais de mil anos, mas ainda um tolo. A lei que rege a noite é a lei de Caim. A Camarilla é um ninho ratos.
_ A lei do mais forte... E você é o gato caçador, não é isso? Gostando disso ou não, Lawrence, o Clã é o seu lar, e o será para todo o sempre. Não há que ser feito. A sua força é uma gota de chuva contra a ira de toda uma tempestade.
_ Pois está enganado, meu Mestre. Minha mente está além de tudo isso.
_ E o que faria para obter todo esse poder, Lawrence? Manipulações políticas? Táticas sujas de guerrilha? Oh, aliaria-se ao Sabá? – intimamente, Medicci já está acostumado à prepotência e à arrogância de seu aluno, e ri de suas bobagens.
_ É mais provável que o Sabá alie-se a mim, Mestre. – diz Lawrence, de costas, em meio a um sorriso sádico e confiante, já preparando-se para partir. Medicci ri silenciosamente das tolices que seu pupilo diz.
_ Seu orgulho te levará à ruína, meu filho. Mais dia, menos dia, terá de enfrentar a mim próprio. E então, o que fará?
_ Que este dia não chegue, meu senhor.
Lawrence abre a porta da frente permitindo que um vento forte passe, forçado-o a segurar a cartola no lugar. Ele pára diante da chuva, e volta o rosto para Medicci. Ainda uma resposta antes de ir:
_ E quanto a Rowan?
_ Perturbado, como de costume. O tempo dele se esgotará muito em breve. Começo a me perguntar se terá sido prudente trazê-lo a Florença.
_ O Príncipe o aceitou? – Lawrence pergunta com a porta do jardim já entreaberta.
_ Ah, sim. Facilmente.
_ ...
Palazzo de Augustus Medicci - Lorde Tremere de 7º Círculo
_ Sr. Abel já esteve por aqui esta noite.
Lawrence Gray procura disfarçar o espanto na voz, mas, realmente, fora pego de surpresa:
_ Abel? Aqui? A troco de quê?
_ Está preocupado com os boatos sobre Viena. E ele parece ter recebido uma mensagem, de um realejo... – Medicci deixa as palavras perderem-se no ar com seus pensamentos. A palavra ‘realejo’ faz com que Lawrence tenha um lapso de memória, recordando o momento perturbado em que um realejo também lhe dera uma mensagem estranha nas escadarias da mansão real. Naquele momento, logo distraiu-se e não voltara a pensar no assunto. A mensagem que recebera, e que encontrava-se junto a seu peito, no bolso da casaca, soava como um presságio.
_ Mensagem de realejo? E o que dizia?
_ Não sei se quero lhe dizer. – responde-lhe o Mestre, sério e indiferente, com os olhos perdidos em divagações distantes.
_ Como assim? Exijo que me dê a informação! – Lawrence responde com o costumeiro ímpeto imperativo. Mas o Mestre lhe devolve um sorriso discreto e brincalhão, acompanhado de um olhar de desdém.
_ “Exige”? Ah, Lawrence... Você faz um trato de menino...
_ Ora, sou eu o teu pupilo! Eu a tua prole! Por que insiste em defender Abel? Irrita-me essa tua simpatia cega por ele! E por que não pode dizer-me sobre a mensagem?! Tolice absurda! Acaso teria algum outro tipo de interesse em Abel?
O tom irritado do jovem ancilla e as possíveis interpretações da última idéia expressa põem Medicci de pé. O Mestre de Lawrence era uma criatura alta e loura, cujo cabelo amarelo era quase branco. Tinha olhos azuis, inflexíveis, e um rosto delicado, com uma fina penugem dourada quase imperceptível do que, um dia, havia sido sua barba mortal. Usava uma capa de um vermelho vivo, com capuz, que estava jogado para trás, e o cabelo era comprido e muito bem penteado. O olhar que dirige ao rebento é frio, mas majestoso.
_ Não banque o principezinho comigo, menino. Eu te criei; eu te destruo se me desafiar.
_ Bah... Pois fique com Abel. Fique com todos eles! Esses vermes que lhe beijam as mãos...
_ Pensei que vocês dois fossem... amigos. Você o conhece há muito tempo, não é mesmo? Chegarão a lutar lado a lado séculos atrás. Estou enganado?
Lawrence permanece calado no canto em que está. A mão trêmula denuncia sua irritação. Os olhos voltados para a grama lá fora mal nota as primeiras gotas de chuva.
_ Por que Abel? Por que justamente ele? O senhor mesmo mandou chamá-lo pessoalmente quando retornou de Viena. Por que todo esse interesse em Abel?
_ Simples. Ele é um magus de muita graduação. É discreto e sábio, e sabe como se controlar. Sua calma é uma virtude que deveria aprender a cultivar, meu menino. Além disso, Abel é fiel ao Clã. Não corro riscos confiando nele. Embora passe boa parte de seu tempo fora da Capela, cuidando sabe-se lá de que interesses, sei que não se voltaria contra a Ordem de Tremere. Essa é uma vantagem que os jovens não me dão: os antigos são sempre mais dispostos a lutar com sabedoria. E Abel, ao que sei, é quase tão antigo quanto você. Estou certo, não?
_ Mestre... O senhor sempre os preferiu, sempre os defendeu. Tua atenção sempre foi prioritária aos Aprendizes. A Capela, a Máscara, o Príncipe. Por que protege a eles, Mestre? Serei sempre o segundo em tuas intenções?
O olhar irritado e magoado do filho traz de volta a conhecida altivez de Augustus Medicci, porém, as artimanhas sentimentais já lhe são conhecidas, e ele não ameniza o tom autoritário das palavras:
_ Porque eles são fracos, Lawrence. Porque eles são fracos, mas você é forte. Forte e rebelde. Nunca precisou realmente da minha proteção, menino dos louros.
_ Mas, Mestre! Sei que és capaz de subjugar Melcchio a qualquer momento, sei que tua força e influência são suficientes para lhe dar controle e poder! Então, por quê? Por que continua a se submeter a tudo isso? Enfrentar as correntes do Clã, as ordens da Camarilla... e essa blasfêmia de Máscara?! Por que temos de viver por trás dos mortais mesmo sendo obviamente mais fortes do que eles? Alguém como o senhor poderia ser rei se o desejasse!
_ Sábias palavras, jovem. E encontre nelas a sua resposta: eu não o desejo.
Apesar do poder que acumulara ao longo dos séculos, Medicci era mais uma criatura de livros que um homem de espada. Parado, frente aos altos vitrais em ogiva, repara na chuva que agracia o jardim e as flores que se abriam à noite, abraçando o céu com nuvens negras e ventos brandos. A calma de seu rosto e o silêncio religioso do ambiente põe o espírito de Lawrence de volta à revolta contida por suas lembranças. Irritado com toda aquela calmaria, levanta-se de onde está em um pulo, tomando a capa e a cartola anteriormente deixadas no cabideiro.
_ Pois o senhor é um tolo, Mestre. Um tolo com mais de mil anos, mas ainda um tolo. A lei que rege a noite é a lei de Caim. A Camarilla é um ninho ratos.
_ A lei do mais forte... E você é o gato caçador, não é isso? Gostando disso ou não, Lawrence, o Clã é o seu lar, e o será para todo o sempre. Não há que ser feito. A sua força é uma gota de chuva contra a ira de toda uma tempestade.
_ Pois está enganado, meu Mestre. Minha mente está além de tudo isso.
_ E o que faria para obter todo esse poder, Lawrence? Manipulações políticas? Táticas sujas de guerrilha? Oh, aliaria-se ao Sabá? – intimamente, Medicci já está acostumado à prepotência e à arrogância de seu aluno, e ri de suas bobagens.
_ É mais provável que o Sabá alie-se a mim, Mestre. – diz Lawrence, de costas, em meio a um sorriso sádico e confiante, já preparando-se para partir. Medicci ri silenciosamente das tolices que seu pupilo diz.
_ Seu orgulho te levará à ruína, meu filho. Mais dia, menos dia, terá de enfrentar a mim próprio. E então, o que fará?
_ Que este dia não chegue, meu senhor.
Lawrence abre a porta da frente permitindo que um vento forte passe, forçado-o a segurar a cartola no lugar. Ele pára diante da chuva, e volta o rosto para Medicci. Ainda uma resposta antes de ir:
_ E quanto a Rowan?
_ Perturbado, como de costume. O tempo dele se esgotará muito em breve. Começo a me perguntar se terá sido prudente trazê-lo a Florença.
_ O Príncipe o aceitou? – Lawrence pergunta com a porta do jardim já entreaberta.
_ Ah, sim. Facilmente.
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