12 abril, 2006

Corpo e Sangue - parte XII

08 de janeiro – Ano 201 d.v.C.
Cadeia de montanhas – arredores de Florença


Nos tempos em que Abel escavou a montanha para construir a fortaleza onde eu e Túlio moraríamos, ele encontrou uma caixa enterrada.

Era uma caixinha-de-música, e Túlio ficou feliz ao vê-la. Quando Abel lhe deu a caixa, Túlio sorriu uma das poucas vezes de que eu tenha lembrança. Então, esse era o motivo pelo qual ele desejara a fortaleza naquele lugar. Justamente ali; eu me incomodava muito com a proximidade de uma tribo Fianna na região.

Túlio sabia o que era aquela caixinha, ele sabia que deveria encontrá-la.

Túlio brincou com aquela caixa por alguns dias. Ele a consertou, e ela só estava um pouco suja e empoeirada.

Isso foi há trinta anos...

♣ ♣ ♣ ♣ ♣

Na noite anterior ao encontro com os Tremere, Túlio ouviu o chamado daquele Fianna. Sabia que a tribo iria atacar, e sabia que seria na noite seguinte.

Há muito tempo, ele guardara a caixinha-de-música em algum lugar que ignoro, e nunca mais falou dela. Quando eu tocava no assunto, ele respondia apenas que estava esperando...

Quando vi que ele estava com a caixa nas mãos, percebi que o momento havia chegado.

A questão era: o momento de quê?

Túlio sentou em sua sala de meditação com a caixinha no colo. Iria desprender seu espírito do corpo e voar para algum lugar, como era de costume quando colocava-se daquela maneiro. Mas não foi o que aconteceu. Seu corpo tornou-se translúcido e seu espírito tornou-se material enquanto separava-se do corpo. Um paradoxo espiritual, ao algo do tipo. Haviam dois Túlios agora: um meditando e um avatar brilhante e esvoaçante, que segurava a caixinha nas mãos.

Ele levitou e a caixa tornou-se imaterial enquanto atravessava as grossas paredes de nosso forte tão habilmente construído.

O que sei é apenas o que ele me permitiu ver depois.

Túlio vagou pela floresta, em direção à tribo dos Fiannas. Os garous estavam agitados. Preparavam armas, rezavam; tudo debaixo de uma fina e fria chuva convidada. O vento carregava canções e juras de vingança e maldição para a raça vampírica. A nossa raça. Túlio esperou que tudo se acalmasse, esperou pelo silêncio que precede os trovões. Até que aquele que esperava adormecesse, embora este lutasse contra isso também. E, pouco antes que o sol nascesse, em um momento em que a guarda do garou contra os espíritos do sono se abaixou, Túlio o encontrou finalmente.

_ Verme...! Como se atreve a adentrar os domínios de meus antepassados?!

_ Venho trazer meus pêsames pela morte dos seus.

_ Como ousa! Vocês mataram meus irmãos... Dois deles, meus filhos! Não haverá piedade!

Nesse momento, Túlio estendeu as mãos, entregando a caixinha que guardara por tanto tempo ao ruivo à sua frente.

_ Isso não impede que entre nós haja compaixão.

A caixinha-de-música pertencera à avó daquele homem que, ao que parecia, tinha uma posição respeitadíssima dentro da matilha. Quando a anciã morrera, a caixa fora roubada e perdida naquelas colinas. Um brinquedo fútil e bobo, mas cheio de significados.

_ Isso pertencera a minha avó! – exclamou entre dentes o ruivo, com visível surpresa – Onde a encontrou?

_ Achei que deveria devolver.

O homem-lobo olhava confuso para o menino luminoso que flutuava à frente. Apenas agora reparara que tratava-se de uma criança. Mas não poderia se deixar levar por isso. “Vampiros não têm idade, e muitos rostos infantis escondem o mais amargo dos corações”, ele pensou. Disse em seguida:

_ Peço que pare com esse jogo. Somos inimigos...

Túlio entristeceu, o que foi sentido pelo Fianna.

_ Isso não impede que, entre nós, haja respeito. – foi a resposta baixa de Túlio, enquanto voltava para casa.

O guerreiro Fianna despertou com um sobressalto, sentia uma presença ao seu redor. Não perdoava-se por ter cochilado. “Talvez o Gamo Branco já tenha vindo...!”, ele pensou preocupado com a desonra que aquilo poderia significar. Assim, demorou um pouco para perceber que a caixinha com que sonhara estava a se molhar enquanto ele a segurava sem se dar conta...


Penso nisso agora, e não posso negar a atitude digna de Túlio. Mas, se não fosse um dos malkavians, diria estar louco.


Apeiron Phobbos
Ancião Toreador

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