07 março, 2006

Corpo e Sangue - parte I

05 de janeiro – Ano 201 d.v.C.
Em uma pequena igreja próxima aos bairros portuários.


"Nunca havia visto aquele garoto ali antes. Não sabia seu nome ou a que família pertencia; mas isso de nada importava. Terminada a cerimônia, depois de atender algumas beatas de pecados frívolos, deparara-me com ele esperando junto ao confessionário, como me esperavam todos que desejavam a confissão. Ele estava sentado, tornozelos cruzados e as mãos sobre o colo. Na aparência tinha uns treze anos, praticamente uma criança; mas isso também de pouco importava. Redenção, depois de tudo, não fora mais do que uma desculpa.

Santo Deus, perdoa os meus impulsos, que minha mente não fora forte o suficiente para controlá-los.
Bastou-me a visão daquele menino, depois de toda uma vida de devoção absoluta, para lançar-me veementemente ao Inferno! Bastou-me a visão daquele menino. No instante em que pus os olhos nele – pálido, suave e macio, curvas bem feitas, longos cabelos caídos sobre os ombros puros e perfeitos - , eu o desejei. Era como uma magia muito forte, coisa de bruxos, perdi completamente a noção do que fazia. Eu queria aquele garoto, e iria tê-lo. Simples assim.

Dispensei os coroinhas com uma desculpa exclusa de cansaço e indisposição; depois levei a criança para uma pequena sala que ficava aos fundos do confessionário (as portas da igreja nunca deveria ficar completamente trancadas; alguém poderia aparecer). No momento em que consegui levá-lo até a tal sala, quando a chave girou trancando-nos sozinhos ali, pensei que algum tipo de loucura me dominara e que eu deveria, a todo custo voltar à consciência que bons homens devem manter diante de Deus. Meu corpo, contudo, não obedecia; esse pensamento de misericórdia esvaneceu-se assim que rasguei as parcas roupas que o garoto trajava, prendendo-o com o peso de meu corpo. A visão da sua adolescência nua despertou um lado que eu passei a vida toda aprisionando. Ele contorcia-se em silêncio debaixo de meu corpo grande e pesado, enquanto eu experimentava uma espécie de transe. Podia ouvir minha própria respiração, insistente, enquanto que a do garoto pausava, sempre no mesmo ritmo rude, mantendo os meus movimentos eufóricos. Ele parecia estar gostando daquilo; sua expressão não mudara, mas ele trabalhava com os quadris e me conduzia a novos espasmos. E, mais uma vez, nós nos uníamos, na agonia de um perverso deleite.

Quando meu ímpeto colocou-se à frente pela terceira vez, o garoto caiu pesadamente sobre a mesa em que eu o atirara. Voltou o rosto para mim e eu tive a certeza de que o Inferno buscaria-me por aquela blasfêmia. A face do menino distorcia-se em uma irreconhecível máscara felina e, embora tentasse parar meus movimentos, só o que conseguia era ouvir meus próprios gritos de desespero diante daquele demônio.

Foi quando algo moveu-se em minha direção, vindo bem do fundo das entranhas dele. Desperto pela excitação do menino, “aquilo”, seja o que fosse, seguia para dentro de mim, rastejando por dentro de meu sexo e o dilatando dos lados. Cada impulso – feito contra minha vontade, pois já não conseguia parar – vinha acompanhado de uma sensação endurecida, intensamente dolorosa, ainda que estranhamente prazerosa. Procurei as palavras para uma prece de misericórdia, mas tudo o que encontrei em minha mente e espírito foi uma escuridão tão velada e profunda quanto os olhos daquela criatura. Não sabia o que era, mas aquilo que movia-se para dentro de meu corpo parecia vivo. Eu era capaz de sentir “a coisa” forçando seu caminho até mim. Eu gritava e me contorcia, porém não era capaz de arremessar o garoto para longe. As coxas do menino-monstro prendiam-me pela cintura em um sensual abraço de morte. Tão apertado... Ele demonstrava uma força descomunal até para o mais forte dentre os homens. Aquilo era um demônio. Sim, tenho certeza de que era um demônio. E a igreja estava vazia. O culto terminara e eu mesmo dispensara os coroinhas.

A tortura e o prazer eram impronunciáveis. Finalmente, pude ouvir o estalo molhado dos ossos de meu quadril se quebrando, fornecendo para minha mente um stress de loucura e dor nunca antes suportados. Eu cai, esparramado, no piedoso abismo da inconsciência."



Das visões de Abade Mateu.

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