24 abril, 2006

Retorno da Longa Noite - parte I a

Sombras engatinhavam nos limites da câmara; há trevas densas na noite fora da casa. Somente uma parte do chão de pedra era visível com aquela luz fosca, uma superfície coberta com manchas marrons. Moscas e vespas se arrastavam nas paredes e sobre o chão, agindo em conjunto sobre o sangue seco. Suas asas batiam incessantemente no espaço calmo e silencioso do ambiente. Apenas aguardando.
Parado, com uma lanterna na mão, o menino se lembrava de tempos remotos e longínquos. Sobre ele, Mateo estava enforcado com uma grossa corrente presa ao teto; intrincadas costuras cobriam seu corpo nu. Mateo já não tinha pernas nem braços definidos, era como um grande casulo humano. Mateo gritava, como ele gritara noite após noite, mas os sons não saíam por sua garganta seca. Suas orelhas foram arrancadas e lançadas no óleo em chamas. Contudo, o garoto havia colocado um tampão em cada ouvido e Mateo, agora, passava seu tempo ouvindo os segredos que uma mosca lhe contava. Outra mosca o ignorava e andava sobre sua cera de ouvido.
O menino observava impassível como Mateo vomitava quando sufocado. Uma vespa voava sobre uma oleosa mistura de saliva e sangue que escorria de seus lábios rachados. Muito mais se seguiu depois disso. Mateo não viveria muito mais, mesmo se as moscas saíssem de sua garganta. Seu pescoço estava inchado e seus olhos esbugalhados em um pânico mudo. Ele se contorceu na corrente como um peixe fisgado, se retorcendo em agonia, como o inseto que rasgava-lhe e pele e começava a sair de dentro dele.
O menino acenou com a cabeça, em aprovação, e se foi. O enxame emergiria da crisálida desse humano sem sua ajuda, e a criança precisava vigiar outros hospedeiros mortais durante esse tempo, a temporada de armazenamento.
Era hora de despertar para as trevas.

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