24 maio, 2006

Retorno da Longa Noite - parte V a

09 de janeiro

20h - Norte de Florença
Palazzo de Augustus Medicci


Cavaleiro das armas escuras
Onde vais pelas trevas impuras
Com a espada sangrenta na mão?
Por que brilham teus olhos ardentes
E gemidos nos lábios frementes
Vertem fogo do teu coração?



_ Então, chegou o tempo.

A entonação na voz do Mestre era afirmativa e interrogativa ao mesmo tempo, mas seu único pupilo não se deu ao trabalho de responder, contentando-se em assentir com um movimento de cabeça.

O homem alto e loiro, sentado atrás de uma pesada mesa escura, dá um impulso no chão, fazendo girar a cadeira de carvalho para ficar de frente e encarar seu rebento. Mil anos antes, naquela mesma biblioteca, ele iniciara aquele jovem nos segredos mais sombrios da magia e da eternidade. E, agora, via todas as suas tentativas de moldar aquela criança frustradas.

Aquele que ele tratava como a um filho sempre fora uma besta selvagem, uma fera que se apegava facilmente a qualquer coisa que lhe despertasse os desejos. Aquela aparência civilizada e social que ele, o Mestre, havia se esforçado em criar não era mais do que uma máscara. A máscara de um fantasma; uma coleira para não assustar a quem olhasse.

Augustus olhou longa e silenciosamente para seu Aprendiz. Ele sabia o que o garoto fazia ali. Sabia de seus planos, de sua natureza vingativa. Sabia que palavras não lhe mudariam as intenções, e tinha plena consciência de que, se tentasse impedi-lo, aquele jovem Matusalém não hesitaria em desafiar ele próprio, seu criador e Senhor.

Quanta impetuosidade em alguém já tão vulnerável pelo que os anos trazem! Era essa mistura de graça e tristeza que o havia encantado séculos atrás, nas terras frias da Escócia. Era essa mistura de realeza e queda que ele procurara preservar através do Sangue Mágico. E, agora, sentia-se cansado ao olhar para aquele menino.

Medicci soltou um suspiro profundo e apertado, levantando-se.

_ Você não vai me dizer como encontrá-lo, não é mesmo?

_ Não, Mestre. Eu não direi.

O loiro em trajes vermelhos rodeava a mesa, indo em direção à prole.

_ E não há palavras que eu possa usar para detê-lo, correto?

O jovem assentiu, a expressão séria e fria.

_ Se eu lhe contar sobre meu novo refúgio, o senhor os enviará direto para mim. Aqueles seus cães estúpidos. E eu não quero ser uma presa que dê tão pouco trabalho.

Medicci já estava frente a frente com seu filho. Sorriu diante daquelas palavras, e esta foi a sua vez de assentir.

_ Será o Senhor que dará a ordem de minha caçada, Mestre. Tenho certeza disso, sei que não deixará que outro o faça. Somos inimigos agora.

“Inimigos”. Ah, que peso tinham aquelas palavras!

_ Sim. Somos inimigos. – ele concordou.

Os dois bruxos se olharam por um certo tempo, estudando-se mutuamente. O poder de ambos era praticamente igual, mas a eternidade havia se manifestado de maneira muito distinta para cada um; deixara-lhes marcas muito diferentes. E, em termos de mágica, a sabedoria conta por demais.

O Mestre se adiantou, beijando seu Aprendiz na testa rispidamente. Seu toque foi frio e distante, como a simbologia daquele gesto tão antigo. O olhar de Medicci caminhou até o peito do jovem, e seu dedo tocou uma relíquia guardada ao lado do coração do mais novo.

_ Vejo que ainda a carrega com você...

_ Ela estará sempre comigo; até o Fim dos Tempos, e mesmo depois disso.

As palavras foram sérias e comedidas, e trouxeram um sorriso triste aos lábios de Medicci.

_ Você sempre foi um tolo, Lawrence. Um grande bobo da noite! – ele disse, se afastando e dando as costas. Cruzou as mãos atrás de si e ficou parado olhando um quadro de anjos ricamente emoldurado.

Por vários minutos, nada se ouviu ali, além do tiquetaquear do relógio de pêndulo dois andares acima. Lawrence Gray, então, voltou a vestir sua cartola e deu uma última olhada na única pessoa que conquistara seu respeito e amor ao mesmo tempo.

_ Até qualquer dia, meu Senhor.

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