21 de novembro, Inverno de 2183
Birmigham – Inglaterra
Em um prédio residencial no centro da cidade, em pequeno cômodo do depósito no décimo andar, cinco jovens de idade entre 15 a 17 anos se reuniam, ocasionalmente, para compartilharem de seus desastres cotidianos. O inconformismo, a nostalgia de uma época nunca vivida, bem como a melancolia pelo que a vida tinha de fútil, eram características que compartilhavam. As roupas pretas, a maquiagem pesada e o ar soturno e trágico dos olhos eram marcas que identificavam os chamados góticos. Dizia-se que isso era rebeldia da idade, futilidade sem motivos, como aquilo que eles mesmo criticavam. Mas o grupo respondia aos comentário com palavrões e gestos obscenos.
A garrafa de absinto, adquirida de forma ilegal, esvaziara-se com um último brinde, ao Amor e à Morte misericordiosa.
Um dos garotos, que tinha o ar de ser o mais velho, puxou do bolso um pequeno pacote branco, minuciosamente amarrado com um barbante muito fino.
_ Woo~! Esperei por isso a semana toda!
_ O cara que me vendeu disso que essa mistura é mais forte, porque é mais pura, saca? Tem menos mato e mais erva... – foi o comentário do mais velho, enquanto enrolava a mistura de ervas secas em um pedaço de papel com perícia impecável.
_ Melhor que seja bom mesmo. Quase toda minha mesada foi nessa porra!
Os rapazes riram. O primeiro acendeu o cigarro com um isqueiro, tragou fundo umas três vezes. A fumaça densa e esbranquiçada tomou o ambiente em uma dança sensual enquanto os outros garotos observavam quase fascinados.
_ Toma! Pega aí a tua porra, Beltram! – disse o mais velho passando o cigarro para o garoto que reclamara.
Mais risos. O segredo passou de mão em mão. Até que o círculo se fechou, e o último do grupo teve a sua vez. O garoto tragou fundo, sentindo a cabeça imediatamente pesada. Álcool e aquilo era uma combinação perigosa. Olhou para o primeiro rapaz; ele jogara a cabeça para trás e procurava agarrar alguma coisa que Byron (era assim que lhe chamavam) não era capaz de ver. Ele traga aquela fumaça densa uma segunda vez. Ouve sinos, pombas voando. Seus amigos tinham formas de mulher aquele que reclamara, Beltram, agora parecia uma topeira gigante, e estava lendo o New Times...
Gordon Byron era um garoto comum de 15 anos. Levava tudo até as últimas conseqüências, para desespero dos pais. Já tinha passagem na polícia por brigas de rua, embora nunca se envolvesse nelas de fato. Gostava dos ares da noite, de tudo o que era proibido. Fazia tudo o que lhe diziam para não fazer. Era pessimista ao extremo e melancólico por natureza. O rosto ainda imberbe dava-lhe um ar angelical, juntamente com o cabelo cacheado e negro. Tinha fama entre as meninas, mas não dava muita importância a elas. O amor não poderia ser tão simples, pensava. O rosto de anjo guardava a língua ferina de um demônio sem modos.
Quando os contornos das coisas desapareceram, e as cores pareciam transbordam mesclando-se umas às outras, Byron respirou fundo, seus pulmões cheios com a fumaça que tomava todo o aposento. Preparava-se para entregar-se por completo àquilo; ele não se importava com limites. “Haviam limites?”, ele pensava. Ele tragou uma terceira vez. Nas visões que lhe tomaram, ele vira sua mãe irritada com seus hábitos, mas a voz dela eram os sinos ao longe. Vira o playground em que brincava quando criança e seus brinquedos preferidos tinham estranhamente um tamanho adequado ao seu corpo de adolescente. E, de repente, todas as imagens sumiram. Byron caminhava em algum tipo de deserto, um lugar frio e nublado, sem céu. Ele sentia muita sede, tudo ali era árido, embora frio e sem sol.
_ Isso não faz sentido... – ele murmurou. Mas ninguém o ouviu. Cada um estava em seu próprio sonhar agora.
Enquanto caminhava, um grande vácuo abriu-se daquela areia infinita, e um ser gigante de asas e chifres retorcidos, uma criatura antiga feita de sombras e chamas surgiu urrando. O demônio cuspiu fogo em Byron, e ele podia sentir a pele crepidando e os próprios ossos virando cinzas. Ele olha desesperado para suas mãos, pouco antes das órbitas de seus olhos estourarem pelo calor, e só o que vê são gravetos carbonizados. Ele grita. Grita para se libertar, grita com todas as forças porque suas apologias à morte eram somente um paradoxo de seu apego apaixonado à vida. Byron não quer morrer daquele jeito. De seu corpo queimado uma luz emana e a visão se dissipa. Byron acorda, está suando frio. Ainda tem a sensação da pele ressecada e quebradiça. Ele procura afastar os efeitos da droga e olhar para as mãos. Estão trêmulas, mas nada além disso. Ele ri baixinho, um riso demente e irônico, como lhe era característico. Só então volta os olhos para a frente, deparando-se com os quatro amigos. A cena que vê queima-lhe os olhos: Os quatro corpos estão carbonizados, as feições transfiguradas em carrancas de dor e desespero. Aqueles dois que estavam mais à sua frente pareciam ter tido os corpo semi-fundidos ao concreto da parece. Tudo ali pareciater sido corrompido com alguma coisa acida e quente. O cheiro de carne humana queimada é insuportável e lhe enche as narinas junto o cheiro de erva.
Byron quer gritar, mas no impulso só consegue vomitar no chão, enquanto procura se levantar em desespero e pânico, procurando a saída. Ele sai correndo, ainda entre o sonho e a realidade, trombando nas coisas e cambaleando. O estado que experimenta é de completo terror e loucura. Ele procura a saída como se procura o fim de um sonho. Sobe as escadarias rumo ao terraço na cobertura do prédio. Abre a porta jogando o próprio corpo contra ela, caindo de joelhos no chão. Ele sente-se extremamente zonzo. Sabe que toca o chão, mas não é capaz de senti-lo. E, naquele instante, isso não importa; a dor que começa a se concentrar rapidamente entre os seus pulmões é intensa e diferente de qualquer coisa que já sentira. Byron começa a chorar, não sabe como se livrar daquilo. Ele procura gritar, mas o sangue que lhe sobe pela garganta enche-lhe a boca e só o que ele consegue é ficar parado enquanto a poça vermelha no chão só faz aumentar. O gosto doce e metálico do sangue lhe causa nojo e enjôos, e ele não controla o vômito. Não são mais do que alguns segundos. Ele se deixa cair pesadamente no chão. As roupas se encharcam com seu próprio sangue; já não se preocupa com explicações.
Com o rosto extremamente pálido virado para o céu nublado e sem nuvens, sente o corpo atordoado, mas a dor passara por completo, tão estranha e rapidamente quanto viera. Ele ficaria ali, naquela posição, por todo o sempre se lhe deixassem. Um floco de neve toca seu rosto e Byron sente os sentidos voltando. Sem saber por que razão, ele se força a abrir os olhos. Deveria tê-los mantido fechados; mesmo com o céu nublado, a luz do sol parece uma maldição. O gosto amargo em sua boca é uma tortura singela, e ele pensa que seria muito bom sentir a neve. Mas não encontra forças para abrir a boca.
Em meio a esses pensamentos fragmentados, um vulto negro surge dentre as nuvens acima dos olhos de Byron. As névoas se dissipam e o que ele vê é uma ave enorme, negra, talvez um corvo. Ela roda em círculo no céu, e a tempestade a acompanha. Byron pensa ver três olhos vermelhos quando contempla a face da criatura. “Sonho de merda..!”, ele pensa, antes de cair inconsciente.